A cidade digital ao serviço do cidadão, a visão de Mário Campolargo

Saiba mais sobre como a tecnologia pode criar cidades mais seguras, eficientes e focadas nos cidadãos.

Mário Campolargo tem sido uma figura central na transformação digital da Europa, ocupando cargos de destaque na Comissão Europeia e no Governo de Portugal, onde desempenhou um papel fundamental na modernização digital e na inovação tecnológica.

No âmbito da 1ª Conferência Smart Cities Portugal, a Ubiwhere conversou com Mário Campolargo sobre o impacto das Plataformas de Gestão Urbana, explorando como estas soluções podem tornar as cidades mais eficientes, sustentáveis e, principalmente, centradas no cidadão. A conversa revela como a tecnologia pode ser um facilitador da transformação urbana e um motor de inovação para o futuro das cidades.

“Só as cidades humanas são cidades inteligentes”

Mário Campolargo

Mário Campolargo

Former Secretary of State for Digitalisation and Administrative Modernisation – Government of Portugal (2022-2024)

UW: Qual deve ser o papel de empresas tecnológicas, como a Ubiwhere, no desenvolvimento de cidades mais inteligentes?

MC:As Plataformas de Gestão Urbana são um componente essencial para transformar uma sociedade mais analógica numa sociedade mais digital, para podermos captar o sentido das aspirações dos cidadãos, para, também, obtermos dados concretos sobre vários aspetos – climáticos, de transporte, de ambiente, de iluminação, de resíduos, de lixo. 

Uma plataforma congrega, ou deve congregar, um conjunto de dados que dão informações sobre as pessoas, sobre aquilo que elas têm como aspirações e interesses. Se a plataforma for capaz de ajudar a administração local, ou se pensarmos ao nível do país, a administração do país, a fazer políticas públicas mais adaptadas aos cidadãos e às cidadãs, então as Plataformas de Gestão Urbana cumprem um papel particularmente importante.



UW: Os cidadãos devem preocupar-se com a segurança dos seus dados? E que medidas devem as empresas adotar para garantir que os cidadãos não sejam prejudicados?

MC:Muitas vezes, os cidadãos não têm uma perceção clara de como os seus dados são tratados. Se tivessem, se calhar, não disponibilizariam às grandes plataformas e redes sociais tantos dados sobre a sua própria vida, sobre aquilo que fazem, que denunciam, de alguma maneira, um modus vivendi específico de cada um e que permitem que nós tenhamos um perfil muito claro, que é depois vendido a anunciantes, na melhor das interpretações, porque pode ser vendido para, digamos, entidades que não conhecemos, nos poderem pôr a pensar da mesma maneira, mesmo até politicamente. 

Portanto, mesmo que o cidadão não esteja muito consciente da utilização maliciosa que pode-se fazer dos seus dados, as plataformas têm esta obrigação regulamentar na europa através da conformidade com o Regulamento Geral de Proteção de Dados, agora também com o Ato da Inteligência Artificial, que de alguma maneira define claramente quais são os âmbitos em que a inteligência artificial pode ser utilizada e quais são, digamos, as condições e como é que vamos mitigar os problemas da utilização dos dados, nomeadamente os dados pessoais.

Portanto, ainda que que o cidadão possa não estar completamente consciente, e temos de trabalhar na literacia digital do cidadão, é muito importante que haja uma consciencialização da parte de quem fornece as Plataformas de Gestão Urbanas, mas acima de tudo, quem quer transformar a cidade ou o território num território inteligente e perceber que isso tem de ser feito sem viés, sem utilização abusiva de dados, com a capacidade de traçarmos exatamente quem utilizou os dados e para que propósito, para que sejamos transparentes, para que a administração seja transparente e responsável frente aos cidadãos.



UW:
Por vezes os cidadãos não têm consciência que as plataformas de gestão urbana existem, ou mesmo do termo smart city. Como é que o cidadão beneficia destas plataformas?

MC: Então, a primeira coisa, que talvez seja importante percebermos, é que as grandes revoluções industriais só entram num estado de maturidade quando nós não nos apercebemos que as utilizamos no dia a dia. Aconteceu isso com a eletricidade, quem é que pensa que acender a luz em casa, há todo um histórico de inovação, de investigação e de infraestrutura para garantir isso. 

E o mesmo acontece, ou acontecerá, progressivamente, com a utilização de dados, esta noção de sociedade inteligente, sociedade digital, adminstração digital, smart city, cidade inteligente. Quando de facto a pessoa sem saber a complexidade do que está por detrás tem ao seu serviço todo um conjunto de serviços, que são, e eu dizia-o sempre nas minhas funções governamentais, que são serviços que aproximam a administração do cidadão, que estão próximos, ele pode utilizar no seu telemóvel, de forma fácil e intuitiva, que antecipam as preocupações, ou os desejos, ou as necessidades do cidadão, seja isto para, conseguir marcar um encontro com a administração pública local, seja isto garantir que o estacionamento que é necessário daquela hora àquela hora junto ao hospital está disponível para ele. E quando pudermos, antecipar, ou seja, quando a administração pública, local ou nacional, souber que de facto aquele cidadão tem necessidade daquilo num determinado momento e se antecipar a fornecer, se conseguirmos fazer isto aquilo a que eu chamo o triple A, os 3 As, se pudermos aproximarmo-nos do cidadão, anteciparmos e automatizarmos estamos a transformar este jargão “cidade inteligente”, na cidade que é próxima do cidadão e que o cidadão no dia a dia utiliza. Só as cidades humanas, são cidades inteligentes.  

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